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Daumier e Rodin, duas atitudes

 Em Notícias

A única ocasião em que visitei um museu e na saída tive vontade de pedir a restituição do valor da entrada foi em Paris, quando, embalado pelos escritos de Rilke sobre Rodin, de quem foi secretário, fui conferir a obra do renomado escultor.

Sei que vou causar espanto e mesmo indignação ao mostrar decepção a respeito de um ícone da arte internacional,cuja exposição na Pinacoteca provocou filas, suspiros e babados e até mesmo levou, tempos depois, à instalação de uma pequena filial em Salvador, num projeto polêmico e muito comentado na cidade, iniciativa de Maria Lucia Montes, que até há pouco tempo era o braço direito de Emanoel Araújo.

Ainda inconformado com o desapontamento sofrido em Paris, insisti em rever o trabalho de Rodin no Museu de Belas Artes de Buenos Aires e mais recentemente, percorrendo minuciosamente todos os espaços da National Gallery, em Washington DC, dou de cara com uma penca de seus bronzes e mármores. Depois de ter visto Bernini, nesse mesmo museu, depois de tantos exemplos da estatuária greco- romana, e até mesmo tomando contato mais direto com Houdon – em minha opinião um dos precursores da fotografia – só senti crescer a primeira sensação : Rodin é um acadêmico chato, pomposo, cerebral, mero virtuose. Em minha cesta de “invenções do mercado” poderia fazer companhia a Andy Warhol, Vasarely, Polock, Duchamp, Amilcar de Castro, Vik Muniz e tantos outros.

A National Gallery, entretanto, reservava-me uma inesperada revelação. Entre uma sensação de enfado e uma ponta de irritação em relação a Rodin, vi, numa sala próxima, uma vitrine repleta de pequenos bustos que mesmo de longe como que pulsavam, magnéticos, transbordantes de energia expressiva. Estou frente a frente com dezenas de pequenos bustos feitos por Honoré Daumier na década de 50 do XIX, retratando os membros do Parlamento francês. Ào lado uma informação esclarecia que esses bustos provocaram um escândalo tão violento que Daumier foi preso, enfrentou mais um processo em sua carreira, e as obras foram proibidas, só sendo permitido virem a público 70 anos após o falecimento do último dos retratados. Cito de memória, mas era algo no gênero. Ali estava exposto, nua e cruamente,o que Daumier conseguira transmitir sobre aqueles políticos: a desonestidade, a ambição, a vilania, a desumanidade, a falcatrua, a dissimulação que lhes ia na alma. Lembrei-me de um conto de Henry James, chamado “O Mentiroso”, onde um pintor também capta a essência do retratado, e cuja esposa, ao perceber a revelação, invade sorrateiramente o atelier e destrói a obra. No dia seguinte voltei ao National só para rever Daumier.

Ali estavam, lado a lado, duas maneiras de viver o papel do artista. Rodin, o amigo dos poderosos, o carreirista, o burocrata da boniteza e do efeito. E Daumier, o defensor das causas justas, o ativista que enfrentou tantas vicissitudes em sua vida, que nunca vacilou sobre o caminho a seguir e pagou um alto preço por isso, como pagaram Fourier, Rimbaud, Maiakovski, Marx, Bakunin.

Não à toa Van Gogh, outro santo da minha igreja, apreciava tanto Daumier e via em sua obra algo muito profundo, novo, revelador, que não podia ser chamado simplesmente de caricatura.