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Agostinho Batista de Freitas

 Em Notícias

Uma convivência de décadas marcou minha proximidade do artista Agostinho Batista de Freitas. Tive o privilégio, a partir de 1974, de cuidar parcialmente de sua carreira. já em 1978 pude reunir obras de grande qualidade para uma individual que veio a merecer à atenção de Olívio Tavares de Araújo, em matéria publicada pela Revista Veja. Pouco depois, uma nova apreciação na mesma revista, com texto de Pietro Maria Bardi, saudava sua individual na Galeria Paulo Figueiredo, nome que logo associamos à arte contemporânea. Esse marchand histórico, prematuramente afastado do mercado por problemas de saúde, foi um dos mais bem informados que conheci. capaz de ver a arte popular como uma das manifestações da contemporaneidade, como ocorre em centros mais evoluídos, mas não aqui, onde a desinformação, o cartelismo e o preconceito ainda ditam as regras.

Agostinho já havia participado de mostras importantes, entre elas a Bienal de Veneza, e gozava de amplo reconhecimento. Ainda assim, como lamentavelmente ainda acontece em relação a nossos mestres populares. uma barreira de indiferença e esnobismo se erguia contra sua trajetória.

A importância de Agostinho, a meu ver, é muito maior do que se admite: não existe em parte alguma um primitivo urbano que tenha construído uma obra de tal consistência, utilizando a iconografia de uma cidade. Pietro Maria Bardi o chamou “o Utrillo de São Paulo”, consciente dessa qualidade. Agostinho, descoberto pelo fundador do Masp em 1950, quando vendia seus pequenos quadros no viaduto do Chá, é um artista sem paralelo na arte internacional e, ao lado de Odilon Nogueira e Manoel Martins, forma o grupo mais representativo dos grandes paisagistas paulistanos.

Mas Agostinho, por sua natural inclinação à paisagem, também permaneceu ligado tematicamente ao campo, onde nasceu e viveu, na zona rural de Paulínia, SP, até os 14 anos. Quando o conheci, incentivei-o a dedicar-se a formatos maiores, pois suas pequenas e médias telas exigiam claramente mais espaço para se expandir. O resultado foram quadros de uma beleza estonteante, verdadeiras “janelas” para se apreciar o mundo.

Bardi chamou à atenção para o seu senso inato de composição e perspectiva.

Mas o artista é também um colorista excepcional e um mestre no manejo da luz. Não me ocorre nenhum outro pintor no Brasil que saiba usar a cor verde como ele. O verde é o grande desafio dos pintores, pois é a cor que tem mais matizes e a que pode desequilibrar ou harmonizar uma tela. É há uma qualidade, cada vez mais rara, que também é preciso ressaltar: trata-se de um pintor de coragem ímpar. Agostinho não tem medo de ousar. Enfrenta temas dificílimos e usa com frequência cores no limite do kitsch. Nunca foi de se utilizar continuamente de fórmulas repetitivas, como, de forma acomodada por certo, o fazem tantos best sellers do mercado.

Esta mostra revela as principais direções para onde apontou seu interesse criador. Embora com menor frequência, Agostinho retratava animais com desenvoltura. Era um arguto observador de escolas , favelas, a vida na periferia, circos e parques de diversões.Tinha fascinação por estradas. Apreciava cenas religiosas e folclóricas. Suas colheitas e descrições do trabalho rural demonstram à plena vivencia desses temas. E sobretudo ganham destaque suas magníficas paisagens paulistanas, que marcaram profundamente sua carreira e lhe granjearam admiração e respeito. Sua importância documental, além da artística, cresce a cada dia, no ritmo das transformações da cidade.

Um quadro aqui exposto chamou minha atenção: um cemitério, tema pouco frequente entre artistas. Reconheci imediatamente o local. Trata-se do cemitério do Chora Menino, na zona norte de São Paulo, no exato trecho em que o artista está sepultado. Um trabalho premonitório, feito muitos anos antes, mostrando que Agostinho sabia exatamente onde permaneceria, a contemplar sua derradeira paisagem da cidade – e de onde se descortina um por de sol repleto de rubros e ouros para os lados do Pico do Jaraguá.

Roberto Rugiero, agosto de 2008