É muito comum um artista ou um movimento artístico tornarem-se de tal maneira dominantes, que acabam por se transformar em padrões seguidos por muitos criadores, engessando sua produção.
Esse comportamento pode atingir todas as linguagens.
Uma vez estive no Rio Grande do Norte, onde a obra de referencia era a de um pintor chamado Dorian Gray. Não havia um só artista na cidade que não procurasse imitá-lo. Aliás, é filme visto repetidas vezes no passado. Teruz e Bianco, por exemplo, foram de tal maneira afetados pela presença forte de Portinari, que nunca mais recuperaram sua própria identidade. O movimento artístico brasileiro, impulsionado pela Primeira Bienal de SP, pela presença avassaladora de Max Bill, até hoje persiste em mostrar uma face marcadamente construtivista, que não arreda pé de jeito nenhum. Nada contra esse movimento, esclareço. Apenas não lhe atribuo a importância de que goza no meio critico e no mercado. Com exceção da obra de Volpi e Ivan Serpa, acho quase tudo meio repetitivo, óbvio, cerebral. A Coleção Adolfo Leirner, vendida por preço surpreendente a uma instituição americana, não deixa dúvidas sobre o apreço que no exterior se atribui à arte que, no fundo, reflete a desses centros. Este é um assunto sobre o qual voltarei oportunamente. Agora quero apontar o que acontece presentemente com um importante movimento nascido nos anos 70 e que produziu uma série de artistas de grande interesse. Em Cuiabá, por influencia da notoriedade conseguida pelo artista Humberto Espindola, premiado na Bienal de SP, despontou na cidade uma febre por arte. A Prefeitura, em consequência, montou um atelier livre, assessorada pelo pintor e sua esposa, Aline Figueiredo, historiadora e pesquisadora de arte. Chamada para orientar os interessados, a excelente pintora Dalva de Barros mostrou que possuia também uma rara qualidade: conseguia aprimorar estilos e talentos latentes em seus jovens alunos, sem transformá-los em filhotes. Em pouco tempo um vigoroso e inovador grupo provocava a admiração de P.M. Bardi, Aracy Amaral, Olívio Tavares de Araujo. Alguns de seus integrantes tornaram-se celebridades. Adir Sodré, que surgiu como um pintor“naif” notável aos 14 anos, logo ampliava seus horizontes e ganhava prêmios, expunha individualmente em museus e se projetava internacionalmente. Entre outros encantados com seu trabalho, Gilberto Chateaubriand, o maior colecionador privado do Brasil. Nilson Pimenta, um criativo artista popular, foi outro que logo se tornou nacionalmente conhecido. O Atelier Livre foi encampado pela UFMT e começou a atrair novos interessados. Nilson Pimenta substituiu Dalva de Barros como professor. Já lá se vão 3 décadas que esse movimento se amplificou de tal maneira, que extravasou para as ruas, intrometeu-se nas laterais de ônibus, ocupou paredões, viadutos e muros da cidade. Mas agora não dá mais para ignorar os sintomas: a arte cuiabana envelheceu, perdeu parte do vigor, à força de repetir-se, de enredar-se na consanguinidade, por assim dizer. Todos se influenciam, desenvolvem temas análogos, usam as mesmas cores. Nas galerias, museus e espaços institucionais da cidade sapo de fora não chia. A arte local ficou sufocada pela falta de outras referencias. Da mesma forma que em biologia a consanguinidade acaba por acelerar a decadência de uma espécie, a arte de Cuiabá clama por sangue novo, pela renovação que restaure sua inequívoca vocação.