Um beijo atirado por Rita Lee foi decisivo para minha opção pela carreira de marchand.
No inicio dos anos 70, com 28 anos, separado e 2 filhos para criar, vi-me num dilema. Havia deixado uma carreira de repórter na Quatro Rodas, passara para a CIN, hoje Leo Burnett e de lá fora rapidamente contratado pela Standard Propaganda. Um anúncio polêmico que criara, comentado pela Veja, levou-me a uma entrevista com o poderoso Livio Rangan, diretor de comunicação da Rhodia. Com a saída de Roberto Duailibi, o cargo de redator estava vago e ganhei o emprego: escrevia para revistas, fazias anúncios, transitava em meio a lindas modelos e ganhava um bom salário. Fiquei intimo do pessoal da Tropicália, em especial do poeta Torquato Neto. Tudo ia bem, exceto por um detalhe: o volume de trabalho era tremendo. E tudo sempre em cima da hora. Acabei por me incompatibilizar com o chefe e pouco depois, decidi que não queria seguir na publicidade. Gostava muito de arte e de música, e via por ali novos rumos profissionais.
Woodstock havia causado um tal impacto, que muitos pensaram em fazer um festival no Brasil, em plena ditadura. O cantor Richie Havens, esteve por aqui e o guitarrista de seu conjunto, Eric Oxendine, garantiu a um casal de amigos meus que conhecia gente chave nos EUA e muitos nomes internacionais viriam para cá por cachês pequenos, só pela curtição. Doido por uma viagem internacional, embarquei para NY ao encontro dessa quimera. É claro que tudo não passou de um sonho irrealizável.
Na volta fiquei conhecendo Cláudio Prado, recém chegado de Londres e cheio de projetos ousados. Achamos que seria uma ótima idéia excursionar por cidades brasileiras com os Mutantes, filmar tudo em super 8 e prensar um LP. Arrumei com um piloto de corridas um ônibus munido de deck na cobertura. À primeira performance foi realizada em SP. A apresentação foi sensacional, os Mutantes eram realmente eletrizantes. Lá pelas tantas, Rita Lee, com quem eu nunca havia trocado uma só palavra, me envia um beijo, a mim, sempre tão tímido e caladão. Achei um barato, mas a coisa acabou ali. Dias depois, num encontro de toda a equipe, Arnaldo Baptista, de forma peremptória, apontando-me o dedo e sem qualquer motivo explícito, declara que não me queria no esquema. Fiquei mudo e pasmo. Diante do silencio geral, levantei e fui embora, já que palavra alguma havia sido proferida em minha defesa, por qualquer dos presentes. No dia seguinte liguei para o piloto, que mandou imediatamente buscar o ônibus. Fim da viagem. Ainda participei, com outro grupo, de apresentações de Ravi Shankar e João Gilberto, inclusive do show que trouxe de volta Caetano, exilado em Londres, e promoveu o histórico encontro entre ele,João e Gal.
Nessa época eu travara relações com Franco Terranova, com quem colaborei uns meses, e depois com o marchand Ralph Camargo com quem vim a trabalhar mais de um ano. Nesse ponto, enquanto os olhos se deslumbravam com o universo visual, o apaixonado por música se tornava apenas ouvinte, convencido de que aquele caminho provavelmente nunca o levaria a lugar algum. Só recentemente, ao assistir ao belo documentário sobre o Arnaldo, o “Loki”, finalmente compreendi as razões de sua atitude: um gesto de ciúme e desatino pela bela Rita, paixão que quase o Levou à morte — e que acabou decidindo meu destino.