“Depois de Guignard, Lorenzato é o mais importante pintor de Minas”. Tenho ouvido essa afirmação mais de uma vez, nos últimos tempos, de pessoas relacionadas com o mercado de arte. Lembrei-me da primeira vez que entrei em contato com a obra desse artista, em 1978, quando iniciava minha carreira solo de marchand sob a decisão de me dedicar inteiramente aos assim designados como primitivos, pois de naifs eu nunca quis chamá-los, avesso a galicismos, subserviências e frescuras. Primitivo era um termo que me parecia justo e o adotei até que popular, começou a sobrepor-se em relação a esses criadores marginalizados.Folheando um catálogo de uma das Trienais de Bratislava, lá encontro esse Amadeu Luciano Lorenzato de quem nunca havia ouvido falar. À seleção dos representantes brasileiros era de Augusto Rodrigues e o procurei para saber quem era aquele cidadão. Não só recebi as devidas explicações, como até mesmo o endereço.
Em Belo Horizonte, numa chácara na periferia da cidade, encontro um senhor magro, de pouquíssimas palavras, vestido como um operário, meio surdo e arrastando um pouco a perna. O jardim em frente à casa era povoado de “quadros de cimento colorido”, espalhado em meio a flores e arvoredos. No atelier, dezenas de trabalhos, um pouco jogados, separados por folhas de jornais que com frequência aderiam à superfície pintada. Lorenzato lavava-os num tanque e os dispunha contra uma parede, sem dizer palavra. Fui adquirindo, uns poucos vendi, mas a maioria ficou comigo, à espera de uma expo que realizei em 1980. Vendi apenas três trabalhos, dois dos quais me foram devolvidos tempos depois, para que eu os trocasse por outra coisa.
No início dos anos 90, um outro marchand se interessou pelo artista e começou a comprar o que de melhor aparecia no mercado, constância que acabou por elevar um pouquinho os preços. Seu nome: Manoel Macedo, um exigente profissional, inteiramente dedicado à arte contemporânea. Em suas mãos Lorenzato ganhou respeito e visibilidade. Artistas contemporâneos de renome reconheceram em sua obra qualidades excepcionais e passaram a colecioná-lo: Revane Neuenschwander, brasileira exclusiva de uma grande galeria em Londres, que tem em seu acervo apenas 10 artistas, entre eles Francis Bacon e David Hockney. Depois foi a vez de Vik Muniz se interessar, Marcos Benjamim, Lucchesi, enfim, toda vanguarda mineira.
E cosi la nave va, no mundo das artes. Recentemente um dos mais conhecidos e ativos colecionadores paulistanos da nova geração adquiriu sete trabalhos desse artista que, certa vez, um leiloeiro afirmou ser o único, dentre os que eu representava, no qual ele, do alto de seu conhecimento, não via nenhuma chance de “emplacar”, porque não tinha nenhuma qualidade. Me fez Lembrar inúmeras histórias que os marchands do Impressionismo vivenciaram, quando os críticos e compradores apostavam em nomes que hoje nem sabemos quem foram, desdenhando Van Gogh, Manet, Cézanne, Degas e todos os grandes mestres. Foi preciso quase 50 anos para o mercado reagir. Da mesma forma que o de Lorenzato, pois são artistas que estão além de seu tempo. Eles e sua visionária forma de transfigurar a realidade.
Saiba mais sobre Lorenzato:
Amadeu Luciano LORENZATO
Nasceu em Belo Horizonte, 1900, onde faleceu em 1995. Construtor de andaimes, granjeiro, pintor de paredes e artista plástico. Em 1925 frequentou a Real Academia de Arte na Galeria Olímpica, em Vicenza, Itália. Começou a expor em meados da década de 1960. Participou do Salão Jovem, Minas Tênis Clube, BH (1965); Terceira Trienal Bratislávia, Tchecoslováquia (1973) e Petit Palais, Paris (1973); Salão de Arte Instinto e Criatividade Popular, MEC, RJ (final dos anos 1970); | Salão de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado, Palácio das Artes, BH (1984) e Salão de Arte Popular do MEC, RJ (1994).
Mostras coletivas
Mostra de Fim de Ano, Minas Tênis Clube, BH (1965); Semana do Folclore, Galeria Minart, BH (1970); Cinco Primitivos, Galeria Guignard, BH (1970); Y Feira de Arte, Exposição do Acervo, Grandes Artistas Brasileiros, Leilão de Parede e Salão do Pequeno Quadro, todas na Galeria Guignard (final dos anos 1970); Artistas Populares na IV Festa do Folclore Brasileiro, Galeria Otto Cirne, BH (1976); Primitivos Mineiros, Mandala Galeria de Arte, BH (1980); | Exposição de Arte Popular e Artesanato, Shopping Center, BH (1981); Primeira Mostra Nacional de Pintura Popular, Galeria de Arte Sesc, Bauru, SP (1982); Intercâmbio Cultural Itália-Brasil, Roma (1988); Poteiro, Lorenzato e Rodelnégio, Manoel Macedo Galeria de Arte, BH (1992); V Feira de Arte, Galeria Guignard (1994); Grandes Artistas Brasileiros, Galeria Guignard (1994); Artistas Populares de Belo Horizonte, Centro Cultural UFMG, BH (1996).
Mostras individuais
Minas Tênis Clube, BH (1967); Galeria Chez Bastião, BH (1971); Galeria Arte Livro, BH (1973); Galeria Guignard, BH (1976); Galeria Memória Cooperativa de Arte, BH (1977); Galeria Brasiliana, SP (1981); Casa dos Contos, BH (1984); Galeria Asal, BH (1986); Manoel Macedo Galeria de Arte (1988-90); Itaúgaleria, BH (1991); Lorenzato e as Cores do Cotidiano, retrospectiva, MAP, BH (1995); 100 Anos de Amadeu Lorenzato, Casa dos Contos (2000); 100 Anos de Lorenzato, Escola Guignard, BH (2001) e Lorenzatices, Pace Galeria de Arte, BH (2001). Possui obras nos acervos da Fundação Clóvis Salgado e Museu de Arte da Pampulha.
Sobre o artista
Foi publicado o Llivro-depoimento Lorenzato da coleção Circuito Atelier, Editora C/Arte, 1º ed, 2004.