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Sangue Italiano na arte ingênua e popular

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É muito conhecida a presença de artistas “oriundi” na arte moderna e contemporânea brasileira. A relação é grande: Brecheret (Brecheretti), Portinari, Volpi, Zanini, Bruno Giorgi. E mais recentemente lanelli, Sante Scaldaferri, Fernando Lucchesi, Sérgio Romagnolo, Roberto Micolis e muitos outros.

O que pouca gente sabe é que existe também uma série de “oriundi” na vertente ingênua e popular. Por exemplo: os pintores Iracema (Ruffolo) Arditi, Rodolfo e Everenice Tamanini, Rosa Maria Lippe e Amadeu Luciano Lorenzato. Além da desenhista Zica Bergami.

A vertente popular é constituída de artistas autodidatas que expressam em linguagem espontânea as tradições e costumes das comunidades de onde procedem. São pessoas provenientes das camadas mais humildes da sociedade. Já os artistas ingênuos quase sempre são originários da classe média baixa, têm certa escolaridade e frequentam ateliês e escolas de arte. Muitos deles são “maneiristas”, ou seja, expressam-se à maneira de um criador espontâneo e inocente, mas não o são. Sua obra tem tendências ilustrativas e abordam temas folclóricos, festas, paisagens idealizadas ou, com muita frequência, cenas paradisíacas. Abusam do adocicado e do pieguismo. Estão mais identificados com a ilustração (arte gráfica) do que com a Arte propriamente dita, que requer emoção, densidade e fluência.

É também verdade que os maneiristas obtêm muito êxito no mercado, pois pintam quadros comerciais, bem acabadinhos, decorativos e digestivos. Porém, nessa receita de sucesso, alguma coisa sempre dá errado. Por ficar só no superficial, acaba enjoando. Por não ter o respeito de críticos e colecionadores, tampouco tem a possibilidade de um dia valer dinheiro. O poeta Otávio Paz escreveu com a costumeira lucidez sobre a diferença entre o que é efêmero (modismo) e o que é eterno. É como se falássemos, em matéria de musica de raiz, em Helena Meirelles ou Pena Branca e Xavantinho (autênticos) e Chorãosinho e Xitoró ou Leardo e Leonandro (efêmeros).

Autenticidade foi o que não faltou ao incrível Amadeu Luciano Lorenzato . Filho de imigrantes peninsulares, nascido em Belo Horizonte no ano de 1900 e aí falecido em 1992, Lorenzato veio de um ramo familiar que tem cerca de 5.000 membros espalhados por todo o Brasil, e que volta e meia se reúnem numa grande confraternização.

Voltando para a Itália em 1918, para aí prestar o serviço militar, Lorenzato levou consigo uma profissão já iniciada no Brasil, a de pintor de paredes, que naquela época requeria grandes conhecimentos e técnicas, pois era comum haver nas paredes residenciais painéis artísticos. Essa profissão também a desempenhou Alfredo Volpi, um dos mais conhecidos “pintores operários” brasileiros. Livre do serviço militar, Lorenzato empreendeu por anos a fio viagens de bicicleta por toda a Europa, em companhia de um amigo holandês, também pintor. Seu curioso “sleeping bag” em forma de cápsula atrelada à bicicleta, era um formidável invento numa época em que ninguém cogitava em ser hippie. Trocando pinturas e desenhos por comida, Lorenzato e o amigo pedalavam por toda a Europa, Norte da África e Ásia. Fixando-se novamente em território italiano, Lorenzato foi simultaneamente pintor-decorador, artista plástico e agricultor. A Segunda Guerra abateu-se sobre ele sob a forma de um intenso bombardeio em que perdeu, um dia, todos os quadros que possuía, mas conseguiu salvar a vida.

De volta ao Brasil, já casado, Lorenzato foi residir num bairro afastado de Belo Horizonte onde plantou e pintou até o seu falecimento. Foi um sensível e original artista, indicado por Augusto Rodrigues para participar, como artista primitivo (o que pessoalmente não acho que fosse), da Trienal de Bratislava de 1963. Certa vez, no início dos anos 80, promovi uma mostra individual sua em São Paulo. Lorenzato, já octogenário, veio sozinho da capital mineira, de ônibus, com sua maletinha. Chegou ao final da manhã, tomou banho, almoçou e ficou circulando pela galeria, atendendo imprensa e público. À noite degustou salgadinhos e vinho, deu atenção a todos e próximo da meia-noite rumou para a rodoviária, de volta para casa! Perto das aventuras que já havia vivido em sua longa e produtiva existência, aquilo tudo parecia brincadeira.

Outro modelo de caráter e sensibilidade é a desenhista Zica (Elisa Campiotti) Bergami. Seus pais, vênetos, vieram para o Brasil carpir café numa fazenda em Ibitinga, SP, onde ela nasceu em 1915. Pequena ainda, veio para a Capital, indo residir no Bom Retiro, então um dos bairros “italianos” da Paulicéia. Sobre esse período Zica escreveu um interessante Livro de memórias, intitulado “Onde Estão os Pirilampos?”. É autora de algumas musicas, entre elas, o grande sucesso da MPB, que deu fama a Inezita Barroso, o “Lampião de Gás”.

Além disso, Zica Bergami é autora de inúmeros e elaborados desenhos a nanquim, sempre com assuntos evocativos.

É uma artista raríssima, pois é difícil no mundo inteiro o aparecimento de desenhistas autodidatas e populares.

Outra artista diferenciada é Vitória Basaia, nascido no final dos anos 50 e
residente em Cuiabá, MT. Quem for à cidade não

pode dispensar uma visita à sua casa-atelier. O local é como parte de uma obra que a artista vem construindo há anos com as próprias mãos, e sua prodigiosa imaginação. Vitória faz “art brut”, definição dada pelo pintor Jean Dubuffet para um tipo de arte rude, áspera, que não se preocupa necessariamente com a beleza, mas com o significado. É uma manifestação artística em geral paralela à arte popular, mas que vem quase toda do inconsciente e se parece um pouco com o trabalho dos excepcionais, pela fatura direta, sem elaboração posterior, num jorro quase compulsivo. É assim que Vitória Basaia trabalha. Às vezes vara a noite desenhando sem parar, num extravasamento irrefreável de criatividade. No Brasil ouve apenas dois artistas “bruts”: Teresa D’Amico (outra “oriunda”) nos anos 50 e a internacional Eli Heil, de Florianópolis.

Para encerar nosso panorama, vamos falar da pintora ingênua Rosa Maria Lippe. À origem da família remonta à Idade Média, época do grande artista Fra. Felippo Lippi, seu antepassado. Parte do clã fixou-se no século XVII na Áustria, retornando quase um século mais tarde à Itália. A avó de Rosa Maria imigrou no inicio do século para a cidade de Ibitinga, SP, às margens do Tietê, onde a artista nasceu e se criou. Rosa Maria estudou pintura, mais acabou definindo um estilo preciosista ingênuo, que por vezes lembra a fotografia.

É provavelmente a melhor pintora miniaturista do Brasil.

Roberto Rugiero, 2002
Roberto Rugiero é um pesquisador e marchand especialista em arte popular brasileira, que há anos viaja pelo Brasil garimpando talentos. Descendente de calabreses, tem um dos olhares mais aguçados do mercado e é proprietário da Galeria Brasiliana.