No segundo semestre o filme Séraphine, vencedor de 7 prêmios César 2009,0 Oscar francês, vai chegar ao Brasil. Dirigida por Martin Provost, a película narra a trajetória da pintora naivefrancesa Seraphine Louis, nascida em 1864 e falecida em 1942. Pastora até os 18 anos, posteriormente empregada doméstica, Séraphine começou a pintar na maturidade em Senlis, pequena cidade de província onde o colecionador e marchand alemão Wilhelm Uhde fixou residência. Sem saber que a criada que contratara pintava, ao visitar um vizinho, Uhde teve sua atenção atraída por uma singela natureza morta e ficou muito surpreso ao saber que fora feita por Séraphine, a rude camponesa que cuidava de sua casa. Impressionado com o talento daquela autodidata, durante 20 anos a incentivou e adquiriu seus trabalhos, relação interrompida com o advento da Grande Depressão dos anos 50 — e que acabou gerando funestas consequências para a artista. Séraphine levava então uma vida marcada pela solidão e a penúria — o pouco que conseguia juntar, privando-se de roupas e com frequência de alimentos, era gasto em material artístico. Produzia muitas de suas tintas com componentes orgânicos, como seus exuberantes vermelhos, obtidos com sangue de porco e restos de velas. Pintava à noite, no chão de seu quartinho, de quatro, usando mais os dedos do que os pincéis . O atento alemão, a quem Picasso vendeu seu primeiro trabalho, foi o descobridor do Douanier Rousseau e tinha muito interesse em “artistas domingueiros” e criadores espontâneos, fora dos padrões da arte, denominados “pintores do sagrado coração” num dos livros que publicou.
Entretanto quis o destino que Séraphine, desde cedo sujeita a sintomas de desequilíbrio, 3 anos após sua primeira exposição em Paris, precisasse ser internada num hospital geriátrico, onde faleceu 10 anos depois, mergulhada na mais abjeta solidão, miséria e abandono. Foi enterrada como indigente, e suspeita-se que tenha, na verdade, morrido de fome. Esquecida por algumas décadas, Séraphine teve no final do ano uma grande retrospectiva no Museu Maillol e sua obra suscitou enorme interesse após o sucesso do filme. Causa perplexidade verificar como aquelas mãos rústicas, que tantos assoalhos enceraram, tantas roupas lavaram, tenham podido criar quadros de intrigantes folhagens, seu tema unico, absolutamente inéditas, repletas de espiritualidade e mistério.
Numa narrativa isenta de miserabilidade e pieguice, Provost criou uma emocionante obra que remete ao conto Uma Vida Simples, de Flaubert, e ao destino igualmente trágico de Camille Claudel.